TÍTULO XIX.

Da milagrosa Imagem de Nossa Senhora da Assunção da Vila de Treixedo.

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      A Vila de Treixedo dista da Cidade de Viseu cinco léguas, fica à mão esquerda da estrada, que vem de Viseu para Coimbra, de donde dista outras cinco léguas. A esta Vila deu foral El-rei Dom Manuel no ano de 1514. Vê-se a sua Igreja Matriz, que é dedicada à Assunção de Nossa Senhora, situada em um ameno vale, a qual fica apartada da Vila menos de um tiro de mosquete, para a parte do meio-dia. Junto a esta Igreja se vê uma copiosa fonte, e de excelente água, da qual por sua bondade, e abundância não só se provê o povo, mas se regam algumas hortas, e pomares, e com ela se fertilizam, aos quais por antonomásia chamam Beiras de Santa Maria: como atribuindo-lhe a esta grande, e misericordiosa Senhora (que é fonte de misericórdias, e benefícios do Senhor a favor do género humano, como lhe chamou Metódio: Fons propensionis Filii erga genus humanum. E fonte que sobe da terra para regar o Paraíso, como diz São Boaventura: Fons ascendens de terra ad irrigandum Paradisum) a fertilidade, e abundância de excelentes frutos, que parecem nascidos no Paraíso, porque são muitos, e admiráveis os que aquelas terras produzem com o rego daquela notável, ou milagrosa fonte. Nasce esta de dentro da Casa da Senhora, ou debaixo da sua Capela maior, aonde se vê colocada, porque sai junto a ela. E assim se deve julgar por santificada, pois tudo, o que cria, é excelente.

      É esta Igreja de Treixedo uma das mais rendosas que tem o Bispado de Viseu (das que pertencem à colação ordinária, porque do Padroado Real há outras mais rendosas) e por esta o ser muito (que renderá perto de dois mil cruzados) acham os Senhores Bispos daquela Diocese, que é condigno prémio para os Ministros que o servem, e ajudam a dar satisfação à sua obrigação Pastoral. E assim é hoje Prior daquela Igreja o Doutor João Aires Correia de Abreu, que foi nove anos Provisor, e muitas vezes Governador, e Vigário-Geral do mesmo Bispado, e juntamente Visitador.

      Está esta milagrosa Imagem da Senhora da Assunção colocada no meio do retábulo do Altar-mor, como Patrona, que é daquela igreja, em uma Tribuna pequena conforme a capacidade da Capela, que não é muito alta; e a Capela se vê toda pintada pelas paredes, e teto. É esta Sagrada Imagem de escultura de madeira, estofada sobre ouro com toda a perfeição. E somente lhe põem mantos segundo os tempos, e Festividades, e Coroa Imperial como Imperatriz da glória, a qual é de prata com pedraria, e o Menino resplandor. A sua estatura é de quatro palmos, e quatro dedos. É muito formosa, e majestosa, (o que eu vi) tem em seus braços ao Menino Deus; com que parece que em seus princípios tinha outro título, ou era invocada somente com o título de Santa Maria de Treixedo. E da sua forma se confirma a sua antiguidade, que é tanta, que se não sabe nada dela, nem da sua origem, nem da fundação daquela Igreja, nem do tempo que ela se edificou, ou reedificou, que seria no tempo do mesmo Rei Dom Manuel. E a Igreja também está mostrando a sua muita antiguidade, porque nem os Párocos a puderam descobrir. Com que o título da Assunção se lhe daria do tempo d'El-rei Dom João o l para cá; porque no tempo do seu Reinado se deu a todas as Igrejas Catedrais, e Matrizes, que eram dedicadas a Nossa Senhora, o título da Assunção, por devoção do mesmo Rei, como já fica advertido.

      A Festividade desta Senhora se celebra no dia do seu triunfo, a 15 de agosto, dia em que a festeja o Prior, porque sem embargo, que há na mesma Igreja uma Irmandade dedicada à Virgem Nossa Senhora, tem esta Irmandade juntamente o título das Almas; e faz à Senhora a sua solenidade no Domingo seguinte ao dia da Senhora, ou Dominga infra Octava. E além da celebridade, e Festa principal, costumam os Priores celebrar, e cantar Missa à Senhora em todas as suas Festividades, como são Conceição, Natividade, Purificação, e as demais.

      Obra esta Senhora muitas maravilhas, e milagres a favor dos seus devotos; e principalmente nas mulheres, que padecem faltas de leite para alimento de seus caros filhinhos. Umas vão a visitar a Senhora com nove mulheres, que procuram sempre se chamem Marias; outras sem este número; e outras sós. A devoção que fazem depois de se encomendarem à Soberana Rainha dos Anjos, é porem o filhinho sobre o Altar, e varrerem a Capela da Senhora com a faixa com que se apertam; e logo dão umas voltas ao redor da Igreja pela banda de fora. E todas com a sua grande fé experimentam os favores daquela piedosa Mãe da vida, pela qual todos vivem, e tem vida; como lhe chama o Abade Guerrico: Mater vitae, qua vivunt universi. E como aqueles pequeninos infantes lhes falta o alimento do leite materno, sem o qual não podem ter vida; por isso logo a Mãe da vida os socorre. Com esta devoção obrada com grande fé, e muita sinceridade, logo sentem os peitos cheios de leite, e se recolhem alegres, porque receberam o alimento de que necessitavam os seus filhinhos. Não só nesta necessidade socorre aquela piedosa Senhora aos que nela a buscam, porque em todas, em que a invocam, acham prontos os remédios, e conseguem os favores. Não individuo milagres, pelos não achar escritos individualmente, porque não há muita curiosidade de os pôr em lembrança; e só se referem de palavra por aquelas pessoas, que o ouviram.

      Hoje se está edificando outra nova Igreja, que está já em grande altura, em que entrou com grande zelo do serviço daquela Senhora o seu Prior o Doutor João Aires Correia de Abreu, que foi muitos anos Vigário-Geral do mesmo Bispado, e Governador. Deu-lhe princípio em 29 de maio de 1712 e lançou nela a primeira pedra o Ilustríssimo Senhor Dom Jerónimo Soares, em o cunhal da parte direita do frontispício, cuja inscrição era nesta forma:

D Hieronymus Suares Episcopus Visensis

me fecit, anno 1712.

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      Na mesma pedra se encaixou um Agnus Dei, e um pergaminho com outra inscrição, que dizia:

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Summo Pontifice Clemente XI. Rege

Joanne V. Episcopo D. Hieronymo Suares,

Priore Joanne Ayres Correa de Abreu,

anno 1712. 19. Maii.

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      Fundou-se este novo Templo afastado do antigo, com a porta principal para o Norte, por não poder ser para o Ocidente, como pede a edificação Eclesiástica. Tem de comprido 82 palmos até o arco toral da Capela-mor; e de largo 40. No corpo da Igreja tem duas fermosas Capelas, e duas colaterais à ilharga do arco da Capela maior!, todas com arcos de pedra fina, e bem lavrada. A Capela-mor, ainda que o arco tem de vão somente 18 palmos, faz de largura 20 e de comprimento 30 e adiante corre a tribuna, em que há de estar o Senhor Sacramentado; e vai esta obra com tanta perfeição, e com tantas pedrarias, e iguais correspondências, que será uma das mais nobres, e perfeitas Paróquias do Bispado.